Recordação de uma noite de verão
Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Nossa velha colméia pegou fogo,
nosso potro melhor quebrou a pata,
os mortos, no meu sonho, estavam vivos
e Burkus, nosso cão fiel, sumiu,
nossa criada Mári, que era muda,
esganiçou de pronto uma canção:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Os ninguéns exultavam de ousadia,
os justos encolhiam-se e o ladrão,
mesmo o mais tímido, roubou então:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Sabíamos da imperfeição dos homens,
de suas grandes dívidas de amor:
mas era singular, ainda assim,
o fim de um mundo que chegava ao fim.
Jamais tão zombeteira esteve a lua
e nunca foi menor o ser humano
do que foi nessa tal noite em questão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Perversamente em júbilo, a agonia
sobre todas as almas se abatia,
os homens imbuíram-se do fado
recôndito de cada antepassado
e, rumo a bodas de um horror sangrento,
seguia embriagado o pensamento,
o altivo servidor do ser humano,
este, por sua vez, mero aleijão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Pensava então, pensava eu, todavia,
que um deus negligenciado voltaria
à vida para me levar à morte,
mas eis que vivo e ainda sou o mesmo
no qual me converteu aquela noite
e, à espera desse deus, recordo agora
uma só noite mais que aterradora
que fez um mundo inteiro soçobrar:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Endre Ady (1877 — 1919) foi um poeta húngaro que causou controvérsia na época em que escreveu poemas sobre uma mistura de erotismo, profecia, teologia calvinista, patriotismo desesperado e política radical.
Foi o grande pioneiro da literatura húngara moderna e, apesar de estar vinculdao ao Simbolismo, é considerado o introdutor das vanguardas na Hungria.
Junto com seus contemporâneos e amigos, Mihály Babits (também grande ensaísta e tradutor da Divina Comédia), Dezsö Kosztolányi (excelente prosador e romancista) e Gyula Juhász, Ady fundou a mais influente revista literária húngara: Nyugat. O nome quer dizer “Ocidente”, termo cujo sentido mais geral era o mesmo de hoje, só que então se lhe dava um sentido positivo. Até a revista terminar, algo que ocorreu no começo da segunda guerra mundial, todos os poetas e escritores importantes do país estiveram de uma maneira ou de outra ligados a ela.
Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Nossa velha colméia pegou fogo,
nosso potro melhor quebrou a pata,
os mortos, no meu sonho, estavam vivos
e Burkus, nosso cão fiel, sumiu,
nossa criada Mári, que era muda,
esganiçou de pronto uma canção:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Os ninguéns exultavam de ousadia,
os justos encolhiam-se e o ladrão,
mesmo o mais tímido, roubou então:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Sabíamos da imperfeição dos homens,
de suas grandes dívidas de amor:
mas era singular, ainda assim,
o fim de um mundo que chegava ao fim.
Jamais tão zombeteira esteve a lua
e nunca foi menor o ser humano
do que foi nessa tal noite em questão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Perversamente em júbilo, a agonia
sobre todas as almas se abatia,
os homens imbuíram-se do fado
recôndito de cada antepassado
e, rumo a bodas de um horror sangrento,
seguia embriagado o pensamento,
o altivo servidor do ser humano,
este, por sua vez, mero aleijão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Pensava então, pensava eu, todavia,
que um deus negligenciado voltaria
à vida para me levar à morte,
mas eis que vivo e ainda sou o mesmo
no qual me converteu aquela noite
e, à espera desse deus, recordo agora
uma só noite mais que aterradora
que fez um mundo inteiro soçobrar:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Endre Ady (1877 — 1919) foi um poeta húngaro que causou controvérsia na época em que escreveu poemas sobre uma mistura de erotismo, profecia, teologia calvinista, patriotismo desesperado e política radical.
Foi o grande pioneiro da literatura húngara moderna e, apesar de estar vinculdao ao Simbolismo, é considerado o introdutor das vanguardas na Hungria.
Junto com seus contemporâneos e amigos, Mihály Babits (também grande ensaísta e tradutor da Divina Comédia), Dezsö Kosztolányi (excelente prosador e romancista) e Gyula Juhász, Ady fundou a mais influente revista literária húngara: Nyugat. O nome quer dizer “Ocidente”, termo cujo sentido mais geral era o mesmo de hoje, só que então se lhe dava um sentido positivo. Até a revista terminar, algo que ocorreu no começo da segunda guerra mundial, todos os poetas e escritores importantes do país estiveram de uma maneira ou de outra ligados a ela.
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