LUA NOVA
“Quenguêlêquêze!...
“Quenguêlêquêze!... (Lua Nova)
Surgia a lua nova,
E a grande nova
— Quenguêlêquêze!...— ia de boca em boca
Traçando os rostos de expressões estranhas,
Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,
Numa alegria enorme, uma alegria louca,
Loucamente,
Perturbadoramente...
Danças fantásticas
Punham nos corpos vibrações elásticas,
Febris,
Ondeando ventres, troncos nus, quadris...
E ao som de palmas
Os homens, cabriolando,
Iam cantando
Medos de estranhas vingativas almas,
Guerras antigas
Com destemidas ímpias inimigas
— obscenidades claras, descaradas,
Que as mulheres ouviam com risadas
Ateando mais e mais
O rítmico calor das danças sensuais.
“Quenguêlêquêze!...
Quenguêlêquêze!...”
Uma mulher
de vez em quando vinha,
Coleava a
espinha,
Gingava as
ancas voluptuosamente,
E diante do
homem, frente a frente,
Punham-se os
dois a simular segredos...
— Nos
arvoredos
Ia um
murmúrio eólico
Que dava à
cena, à luz da lua, um que diabólico...
“Quêze!.Quenguêlêquêze!...”
... Entanto
uma mulher saíra sorrateira
Com outra
mais velhinha;
Dirigiu-se
na sombra à montureira,
Com uma
criancinha.
Fazia escuro
e havia
Ali um
cheiro estranho
As cinzas
ensopadas,
Sobras de
peixe e fezes de rebanho
Misturadas...O
vento, perpassando a cerca de caniço,
Trazia para
fora o ar abafadiço,
Um ar de
podridão...
E as
mulheres entravam com um tição:
E enquanto a
mais idosa
Pegava na
criança e a mostrava à lua
Dizendo-lhe:
“Olha, é a lua”,
A outra,
erguendo a mão,
Lançou
direito à lua a acha luminosa.
— O
estrepitar de palmas foi morrendo...
E a lua foi
crescendo... foi crescendo...
Lentamente...
Como se fora
em brando e afogado leito
Deitaram a
criança, revolando-a,
Ali na
imunda podridão, no escuro,
Lhe deu o
peito...
Então, o pai
chegou,
Cercou-a de
desvelos,
De manso a
conduziu p´los cotovelos,
Tomou-a nos
seus braços e cantou
Esta canção
ardente:
“Meu filho,
eu estou contente!
Agora já na
temo que ninguém
Mofe de ti
na rua,
E diga,
quando errares, que tua mãe
Te não
mostrou a lua!
Agora tens abertos
os ouvidos
Para tudo
compreender;
Teu peito
afoitará, impávido, os rugidos
Das feras,
sem tremer...
Meu filho,
estou contente!
Tu és agora
um ser inteligente,
E assim
há-de crescer, há-de ser homem forte
Até que já
cansado
Um dia muito
velho
De filhos,
rodeado,
Sentido já
dobrar–se o teu joelho
Virá
buscar-te a Morte...
Meu filho,
eu estou contente!
Agora, sim,
sou pai!...”
Na aldeia,
lentamente,
O estrepitar
das palmas foi morrendo...
E a lua foi
crescendo...
— Crescendo
Como um
ai...
Rui de Noronha (1909 -
1943) foi um poeta moçambicano, sendo considerado o precursor da poesia moderna
moçambicana.
Antônio Rui de Noronha,
mestiço, de pai indiano, de origem brâmane, e de mãe negra, foi funcionário
público (Serviço de Portos e Caminho de Ferro) e jornalista. O autor colaborou
na imprensa escrita de Moçambique, notadamente em O Brado Africano, com apenas
17 anos de idade. Esta produção inicial, que se reduziram apenas a três contos,
e que correspondem ainda a uma fase de afirmação literária, virá a ser
prosseguida a partir de 1932, com uma intervenção mais ativa na vida do jornal,
chegando mesmo a integrar o seu corpo diretivo.
Desde logo mostrou e
deixou transparecer, na sua vida e na sua escrita, um temperamento recolhido,
uma personalidade introvertida e amargurada. Foi, sem dúvida, um homem infeliz.
Nunca chegou a concretizar, em vida, o grande sonho de publicar o seu livro de
poemas. No entanto, seu professor de Frances, Dr. Domingos Reis Costa reuniu,
selecionou e revisou 60 poemas para a edição póstuma intitulada Sonetos (1946).
Uma desilusão amorosa,
causada pelo preconceito racial, fez, segundo os seus amigos, com que o
escritor se deixasse morrer no hospital da capital de Moçambique, com 34 anos,
no dia 25 de Dezembro de 1943.
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