domingo, 21 de julho de 2013

Rui de Noronha - Lua Nova



LUA NOVA



“Quenguêlêquêze!... “Quenguêlêquêze!... (Lua Nova)



Surgia a lua nova,

E a grande nova

— Quenguêlêquêze!...— ia de boca em boca

Traçando os rostos de expressões estranhas,

Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,

Numa alegria enorme, uma alegria louca,



Loucamente,

Perturbadoramente...



Danças fantásticas

Punham nos corpos vibrações elásticas,

Febris,

Ondeando ventres, troncos nus, quadris...



E ao som de palmas

Os homens, cabriolando,

Iam cantando

Medos de estranhas vingativas almas,

Guerras antigas

Com destemidas ímpias inimigas

— obscenidades claras, descaradas,

Que as mulheres ouviam com risadas

Ateando mais e mais

O rítmico calor das danças sensuais.



“Quenguêlêquêze!... Quenguêlêquêze!...”



Uma mulher de vez em quando vinha,

Coleava a espinha,

Gingava as ancas voluptuosamente,

E diante do homem, frente a frente,

Punham-se os dois a simular segredos...

— Nos arvoredos

Ia um murmúrio eólico

Que dava à cena, à luz da lua, um que diabólico...



“Quêze!.Quenguêlêquêze!...”



... Entanto uma mulher saíra sorrateira

Com outra mais velhinha;

Dirigiu-se na sombra à montureira,

Com uma criancinha.

Fazia escuro e havia

Ali um cheiro estranho

As cinzas ensopadas,

Sobras de peixe e fezes de rebanho

Misturadas...O vento, perpassando a cerca de caniço,

Trazia para fora o ar abafadiço,

Um ar de podridão...

E as mulheres entravam com um tição:

E enquanto a mais idosa

Pegava na criança e a mostrava à lua

Dizendo-lhe: “Olha, é a lua”,

A outra, erguendo a mão,

Lançou direito à lua a acha luminosa.

— O estrepitar de palmas foi morrendo...

E a lua foi crescendo... foi crescendo...

Lentamente...

Como se fora em brando e afogado leito

Deitaram a criança, revolando-a,

Ali na imunda podridão, no escuro,

Lhe deu o peito...



Então, o pai chegou,

Cercou-a de desvelos,

De manso a conduziu p´los cotovelos,

Tomou-a nos seus braços e cantou

Esta canção ardente:



“Meu filho, eu estou contente!

Agora já na temo que ninguém

Mofe de ti na rua,

E diga, quando errares, que tua mãe

Te não mostrou a lua!



Agora tens abertos os ouvidos

Para tudo compreender;

Teu peito afoitará, impávido, os rugidos

Das feras, sem tremer...

Meu filho, estou contente!

Tu és agora um ser inteligente,

E assim há-de crescer, há-de ser homem forte



Até que já cansado

Um dia muito velho

De filhos, rodeado,

Sentido já dobrar–se o teu joelho

Virá buscar-te a Morte...

Meu filho, eu estou contente!

Agora, sim, sou pai!...”



Na aldeia, lentamente,

O estrepitar das palmas foi morrendo...

E a lua foi crescendo...

— Crescendo

Como um ai... 



Rui de Noronha (1909 - 1943) foi um poeta moçambicano, sendo considerado o precursor da poesia moderna moçambicana.

Antônio Rui de Noronha, mestiço, de pai indiano, de origem brâmane, e de mãe negra, foi funcionário público (Serviço de Portos e Caminho de Ferro) e jornalista. O autor colaborou na imprensa escrita de Moçambique, notadamente em O Brado Africano, com apenas 17 anos de idade. Esta produção inicial, que se reduziram apenas a três contos, e que correspondem ainda a uma fase de afirmação literária, virá a ser prosseguida a partir de 1932, com uma intervenção mais ativa na vida do jornal, chegando mesmo a integrar o seu corpo diretivo.



Desde logo mostrou e deixou transparecer, na sua vida e na sua escrita, um temperamento recolhido, uma personalidade introvertida e amargurada. Foi, sem dúvida, um homem infeliz. Nunca chegou a concretizar, em vida, o grande sonho de publicar o seu livro de poemas. No entanto, seu professor de Frances, Dr. Domingos Reis Costa reuniu, selecionou e revisou 60 poemas para a edição póstuma intitulada Sonetos (1946).


Uma desilusão amorosa, causada pelo preconceito racial, fez, segundo os seus amigos, com que o escritor se deixasse morrer no hospital da capital de Moçambique, com 34 anos, no dia 25 de Dezembro de 1943.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigado, sua opinião é importante para nós.