domingo, 7 de julho de 2013

Samuel Beckett

De novo o último refluxo
os pedregulhos mortos
a meia-volta e após as escalas
rumo à antiga iluminação

eu sou aquele curso de areia que passa
entre o cascalho e a duna
a chuva do verão chove sobre minha vida
sobre mim minha vida me vai me caça
e termina no dia da sua iniciação

momento querido eu te vejo
nesta cortina de névoa que desmancha
quando eu já não piso nestas longas soleiras movediças e vivo o tempo de uma porta
que se abre e se fecha

o que eu faria deste mundo sem rosto sem perguntas onde ser não dura mais que um instante onde cada instante
flui pelo vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no fim
corpo e sombra juntos são tragados
o que eu faria sem este silêncio garganta dos murmúrios
ofegando furiosos para o salvamento para o amor
sem este céu que se eleva
da poeira do seu lastro

o que eu faria eu faria como ontem e como hoje
cuidando pela minha janela se eu não estou só
a passear e a virar pra longe de toda a vida
dentro de um espaço fantoche
sem voz entre as vozes
trancadas aqui comigo

eu quero que o meu amor morra
que ele chova sobre o cemitério
e ruelas em que eu vá
lamentando a que pensou me amar


Samuel Beckett (1906 — 1989) dramaturgo e escritor irlandês.

Beckett é amplamente considerado como um dos escritores mais influentes do século XX.Fortemente influenciado por James Joyce, ele é considerado um dos últimos modernistas.Utilizava em suas obras, traduzidas em mais de trinta línguas, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenômeno humano. É considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo.

Recebeu o Nobel de Literatura de 1969.

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